Acho importante tratar hoje sobre um tema que todos deveriam
saber muito bem. Como o ser humano aprende? Como funciona o mecanismo de
armazenamento de dados de nosso cérebro? Você realmente nunca desaprende andar
de bicicleta? Entenda a partir de agora como nosso corpo interpreta as
instruções de nossos professores e como nós conseguimos reproduzir os
movimentos mostrados por ele.
O processo de aprendizagem inicia sempre com um estímulo
sensorial. Começamos a perceber o mundo principalmente através da visão e
audição. Vamos imaginar que dois alunos precisam aprender uma pirueta de Jazz,
por exemplo, e que estes alunos nunca tiveram acesso à música ou dança antes, e
não faziam idéia do que se tratava a tal pirueta. O primeiro passo é a
utilização da visão. O professor mostra como se faz e pede para que o imitem.
Depois de alguns segundos, ou até mesmo milésimos de segundos, eles executam um
movimento semelhante ao que viram. Um deles muito bem executado, o outro
apresentando muitas falhas. Uma semana depois ambos estão executando a postura
sem falhas, mas com um desempenho ruim (sem equilíbrio, por exemplo). Dois
meses depois ambos melhoraram o desempenho e, agora já fazem a pirueta segundo
um padrão ideal de movimento (P.I.M.), ou seja, assim como o professor mostrou
na primeira aula.
Qual o motivo da diferença pela qual um dos alunos demorou
mais para executar a postura sem falhas graves? Por que mesmo assim os dois
alcançaram o P.I.M.? Vamos entender:
Tudo começou na execução da pirueta pelo professor, onde os
olhos dos alunos captaram a imagem da preparação, da postura e do giro. Neste
momento os dois ativaram no sistema nervoso central um mecanismo chamado
Mecanismo Perceptivo. A imagem vista pelos alunos automaticamente foi processada
no cérebro e comparada a algum outro movimento já conhecidos por eles. As
pessoas que tiveram uma infância onde foram muito bem estimuladas motoramente
têm a chance de achar mais informações nesse momento, e executar com mais
facilidade aquilo que viu (este pode ser o caso do primeiro aluno, que não
apresentou muitos erros). Quando não achamos nenhum movimento onde podemos
comparar com o que foi visto, dizemos que a pessoas não tem um Padrão de
Referência Interno (P.R.I.) formado.
Milésimos de segundos depois, nosso cérebro já ativa o
segundo mecanismo, o Mecanismo Decisório. Como o nome diz, é quando decidimos o
que fazer no plano motor, se imitamos algo que já havíamos feito no passado, ou
se executamos um movimento totalmente novo para nós. Quase que ao mesmo tempo
já ativamos o próximo mecanismo, o Mecanismo Efetor, que libera estímulos
nervosos para o músculo que decidimos utilizar, a fim de executar o movimento.
O próximo passo é responsabilidade do sistema muscular e de
nossa capacidade física (força e flexibilidade por exemplo). Depois de todo
esse processamento de informações é hora da auto avaliação, ou da avaliação do
professor. Onde são fornecidos feedback’s e dicas para o aluno melhorar sua execução.
A cada dica fornecida, todo a processamento de informações é repetido,
iniciando sempre pela captação dos órgãos sensoriais (nos olhos, se o professor
mostrar a postura novamente, nos ouvidos, se o professor apenas deu uma dica
verbal, ou em ambos).
Depois das dicas e dos feedback’s, provavelmente o aluno
executou o movimento muito parecido com o do professor, suas limitações são
apenas força, flexibilidade ou equilíbrio, por exemplo, já que essas
capacidades dependem de treino, e são adquiridas com o tempo (por isso só
depois de dois meses que os alunos melhoraram seu desempenho). Será que o aluno
realmente aprendeu a pirueta? Seu P.R.I. está formado? Ainda não podemos ter
certeza. É preciso fazer um Teste de Retenção, ou seja, ver se nas próximas
aulas o aluno vai se lembrar de tudo que foi corrigido, ou se ainda precisará
de muitas dicas e correções.
Caso o aluno execute o movimento sem precisar de nenhuma
correção, seu P.R.I. está totalmente formado, basta agora melhorar o rendimento
(girar mais vezes, manter a postura, aumentar a tonicidade dos músculos, etc).
Tudo isso para alcançar o P.I.M. e atingir a meta que propus no começo do
texto. Podemos dizer que ele aprendeu a pirueta de Jazz.
Caso passe muito tempo, e o aluno não treine o que aprendeu,
sua execução não estará muito comprometida, apenas seu rendimento, pois este
está ligado com as capacidades físicas, e em pouco tempo ele pode voltar ao
P.I.M.. O que dizer do andar de bicicleta? Quem aprende uma vez, já tem um
P.R.I. formado, por isso consegue rapidamente executar sem muitos problemas.
Da próxima vez que você for aprender um movimento, fique
atento ao que foi falado nesse texto e faça o teste. Tente perceber quando foi
que você adquiriu Padrão de Referência Interno e quando você executará segundo
o Padrão Ideal de Movimento. Sabendo de tudo isso você já é capaz de responder
o por quê você aprende primeiro os passos na diagonal e depois os coloca na
coreografia. Caso não saiba, pergunte. Divirta-se...
Sandro Conte
Referências:
·
PELLEGRINE,
(2002)
·
MARTINS E IVANOV,
(2009)
·
MAGILL, (2000)
·
FITS AND POSNER,
(1967)
·
SCHMIDT, (1993)
·
FRANCO, (2002)
Fantástico! Por isso se fala tanto em estimular os pequenos através de texturas diferentes, com sons diferentes, em ambientes variados, para que possam armazenar um pouco de tudo e ter maior desenvolvimento no futuro. Adorei aprender sobre o aprendizado.
ResponderExcluirAbraços, Carla Mariano ;)
Obrigado Carla, saudades de todos vocês.
ExcluirÉ isso mesmo, o aprendizado é um desafio muito complexo, precisa calma, e sem dúvida especificidade, cada idade, cada sexo, cada sujeito precisa de um estímulo adaptativo.
Bjão