quarta-feira, 27 de março de 2013

Aprendendo o Aprender


Acho importante tratar hoje sobre um tema que todos deveriam saber muito bem. Como o ser humano aprende? Como funciona o mecanismo de armazenamento de dados de nosso cérebro? Você realmente nunca desaprende andar de bicicleta? Entenda a partir de agora como nosso corpo interpreta as instruções de nossos professores e como nós conseguimos reproduzir os movimentos mostrados por ele.

O processo de aprendizagem inicia sempre com um estímulo sensorial. Começamos a perceber o mundo principalmente através da visão e audição. Vamos imaginar que dois alunos precisam aprender uma pirueta de Jazz, por exemplo, e que estes alunos nunca tiveram acesso à música ou dança antes, e não faziam idéia do que se tratava a tal pirueta. O primeiro passo é a utilização da visão. O professor mostra como se faz e pede para que o imitem. Depois de alguns segundos, ou até mesmo milésimos de segundos, eles executam um movimento semelhante ao que viram. Um deles muito bem executado, o outro apresentando muitas falhas. Uma semana depois ambos estão executando a postura sem falhas, mas com um desempenho ruim (sem equilíbrio, por exemplo). Dois meses depois ambos melhoraram o desempenho e, agora já fazem a pirueta segundo um padrão ideal de movimento (P.I.M.), ou seja, assim como o professor mostrou na primeira aula.

Qual o motivo da diferença pela qual um dos alunos demorou mais para executar a postura sem falhas graves? Por que mesmo assim os dois alcançaram o P.I.M.? Vamos entender:
Tudo começou na execução da pirueta pelo professor, onde os olhos dos alunos captaram a imagem da preparação, da postura e do giro. Neste momento os dois ativaram no sistema nervoso central um mecanismo chamado Mecanismo Perceptivo. A imagem vista pelos alunos automaticamente foi processada no cérebro e comparada a algum outro movimento já conhecidos por eles. As pessoas que tiveram uma infância onde foram muito bem estimuladas motoramente têm a chance de achar mais informações nesse momento, e executar com mais facilidade aquilo que viu (este pode ser o caso do primeiro aluno, que não apresentou muitos erros). Quando não achamos nenhum movimento onde podemos comparar com o que foi visto, dizemos que a pessoas não tem um Padrão de Referência Interno (P.R.I.) formado.

Milésimos de segundos depois, nosso cérebro já ativa o segundo mecanismo, o Mecanismo Decisório. Como o nome diz, é quando decidimos o que fazer no plano motor, se imitamos algo que já havíamos feito no passado, ou se executamos um movimento totalmente novo para nós. Quase que ao mesmo tempo já ativamos o próximo mecanismo, o Mecanismo Efetor, que libera estímulos nervosos para o músculo que decidimos utilizar, a fim de executar o movimento.

O próximo passo é responsabilidade do sistema muscular e de nossa capacidade física (força e flexibilidade por exemplo). Depois de todo esse processamento de informações é hora da auto avaliação, ou da avaliação do professor. Onde são fornecidos feedback’s e dicas para o aluno melhorar sua execução. A cada dica fornecida, todo a processamento de informações é repetido, iniciando sempre pela captação dos órgãos sensoriais (nos olhos, se o professor mostrar a postura novamente, nos ouvidos, se o professor apenas deu uma dica verbal, ou em ambos).

Depois das dicas e dos feedback’s, provavelmente o aluno executou o movimento muito parecido com o do professor, suas limitações são apenas força, flexibilidade ou equilíbrio, por exemplo, já que essas capacidades dependem de treino, e são adquiridas com o tempo (por isso só depois de dois meses que os alunos melhoraram seu desempenho). Será que o aluno realmente aprendeu a pirueta? Seu P.R.I. está formado? Ainda não podemos ter certeza. É preciso fazer um Teste de Retenção, ou seja, ver se nas próximas aulas o aluno vai se lembrar de tudo que foi corrigido, ou se ainda precisará de muitas dicas e correções.

Caso o aluno execute o movimento sem precisar de nenhuma correção, seu P.R.I. está totalmente formado, basta agora melhorar o rendimento (girar mais vezes, manter a postura, aumentar a tonicidade dos músculos, etc). Tudo isso para alcançar o P.I.M. e atingir a meta que propus no começo do texto. Podemos dizer que ele aprendeu a pirueta de Jazz.
Caso passe muito tempo, e o aluno não treine o que aprendeu, sua execução não estará muito comprometida, apenas seu rendimento, pois este está ligado com as capacidades físicas, e em pouco tempo ele pode voltar ao P.I.M.. O que dizer do andar de bicicleta? Quem aprende uma vez, já tem um P.R.I. formado, por isso consegue rapidamente executar sem muitos problemas.

Da próxima vez que você for aprender um movimento, fique atento ao que foi falado nesse texto e faça o teste. Tente perceber quando foi que você adquiriu Padrão de Referência Interno e quando você executará segundo o Padrão Ideal de Movimento. Sabendo de tudo isso você já é capaz de responder o por quê você aprende primeiro os passos na diagonal e depois os coloca na coreografia. Caso não saiba, pergunte. Divirta-se...



Sandro Conte


Referências:
·         PELLEGRINE, (2002)
·         MARTINS E IVANOV, (2009)
·         MAGILL, (2000)
·         FITS AND POSNER, (1967)
·         SCHMIDT, (1993)
·         FRANCO, (2002)

2 comentários:

  1. Fantástico! Por isso se fala tanto em estimular os pequenos através de texturas diferentes, com sons diferentes, em ambientes variados, para que possam armazenar um pouco de tudo e ter maior desenvolvimento no futuro. Adorei aprender sobre o aprendizado.

    Abraços, Carla Mariano ;)

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    1. Obrigado Carla, saudades de todos vocês.
      É isso mesmo, o aprendizado é um desafio muito complexo, precisa calma, e sem dúvida especificidade, cada idade, cada sexo, cada sujeito precisa de um estímulo adaptativo.

      Bjão

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